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09/12/2015

“A desjudicialização abre novas responsabilidades para os oficiais registradores e tabeliães”

A afirmação é do desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais Marcelo Guimarães Rodrigues, entrevistado desta edição do Boletim do CORI-MG. Na entrevista, ele faz uma avaliação do último evento promovido pelo Colégio Registral e ressalta, também, os desafios enfrentados pela classe notarial e de registro.

 

O senhor esteve presente no I Encontro Estadual do CORI-MG. Qual a avaliação que faz do evento?

Na minha percepção o Encontro do CORI-MG foi um sucesso absoluto. Na verdade, foi o primeiro congresso a nível estadual realizado pelo Colégio Registral mineiro, que possui apenas um ano de existência. O evento contou com a participação de mais de 300 registradores imobiliários de todas as regiões de Minas Gerais e de outros estados. As palestras foram de altíssimo nível, inclusive alguns dos palestrantes que estiveram participaram também do Congresso da ANOREG-BR.

Entre os diversos temas, no âmbito de registro imobiliário, a usucapião extrajudicial é o mais premente e o CORI foi muito feliz em promover uma grande discussão acerca desta matéria. Este é um tema muito rico, os debates estão apenas se iniciando, porque a proposta efetiva só irá entrar em vigor a partir de 16/3/2016. Existem muitos aspectos a serem esclarecidos e, portanto, estão sendo suscitadas algumas dúvidas por parte dos oficiais registradores, os profissionais que efetivamente vão ter que trabalhar com essa nova ferramenta jurídica. Teremos, sem dúvida, uma dinâmica nova no Registro Imobiliário, pois o oficial registrador agora definitivamente terá que interagir com outros profissionais do Direito e se aprofundar em vários Institutos do Direito Processual civil.

Alguns juristas e magistrados sugerem cautela no trato desta matéria. O senhor partilha desta opinião?

Como magistrado, eu compreendo as razões da preocupação dos colegas, pois já julguei ações de usucapião quando atuava na primeira instância. Eu acredito que o propósito da desjudicialização é justamente descomplicar, eu sou mais otimista em relação a isso. Com a desjudicialização a tendência é criar um procedimento mais simplificado, informal e eficiente.

 Minha preocupação é que a proposta da lei da usucapião extrajudicial poderia ter avançado um pouco mais, porém foi comedida especialmente ao abordar a questão do silêncio. Houve uma inovação nesse aspecto, pois foi introduzido um significado jurídico ao silêncio que, até então, não existia do aspecto jurídico brasileiro. Adotou-se uma presunção de que o silêncio equivale à recusa, à impugnação, de acordo com o Código de Processo Civil de 2015.

Em minha palestra, no Encontro Nacional, realizado pelo IRIB, em Aracajú, eu demonstrei que, no Direito Civil brasileiro, no direito material propriamente dito, o silêncio nunca teve esse significado, era interpretado quase sempre como presunção de anuência. Então o CPC, que vem regulamentar uma lei instrumental que é do campo do Direito Público, muda esse significado. Esse talvez seja o maior motivo de preocupação em termos de eficiência do novo caminho que se abre para os oficiais registradores.

No Congresso da ANOREG-BR, realizado no mês passado em Camboriú, o senhor teve a oportunidade de lançar o seu mais recente trabalho. Como espera que a obra seja recebida?

Primeiramente, gostaríamos de ressaltar que lançamos a primeira edição do “Tratado de Registros Públicos e de Direito Notarial”, em Belo Horizonte, em meados de 2014, com o selo Atlas. Foi uma edição de dois mil exemplares e os livros esgotaram-se em cerca de 10 meses, tendo uma aceitação muito boa e me deixando bastante surpreso e feliz. Segundo a editora Atlas, o tempo médio de esgotamento de uma edição de dois mil exemplares, no mercado jurídico, é de três anos. Isso nos motivou a trabalhar na segunda edição rapidamente.

Esta nova edição está consideravelmente ampliada, atualizada e totalmente revisada e vem com conformidade do Código de Processo Civil 2015 e com a Lei nº 13.105, também de 2015. Realizamos um primeiro lançamento no Congresso do CORI-MG, em Belo Horizonte, e posteriormente na região Sul do Brasil com o Congresso da Anoreg-BR.

O que o senhor ressalta de mais importante nesta segunda edição?

A obra é particular nas atividades nos Registros Públicos e nos Tabelionatos exatamente por trazer doutrinas de todas as atribuições, sendo de interesse dos oficiais registradores, dos tabeliões de protestos e de notas. Merecem destaque casos concretos, que foram cuidadosamente selecionados na minha atuação como magistrado nos últimos 15 anos, como juiz titular da Vara de Registros Públicos, em Belo Horizonte, quanto desembargador do Tribunal de Justiça, inicialmente na Câmara de Direito Privado e em seguida na Câmara de Direito Público, onde me encontro atualmente.

É, portanto, uma obra muito rica por reunir doutrinas, sentenças e decisões em casos concretos, que são muitos interessantes. Nossa intenção, ao selecionarmos tais casos, foi a de remeter um exemplo vivo do que acontece no cotidiano dessas atividades. O livro traz também processos de dúvidas, ações que são propostas em juízo para questionar decisões de oficiais registradores ou para tentar anular as escrituras públicas. O livro traz a visão do magistrado, a visão concreta da atividade jurisdicional aplicada à atividade dos oficiais registradores e dos tabeliães, é uma obra inédita nesse aspecto e no mercado editorial jurídico dessas atividades.

Qual sua avaliação para o momento atual da atividade notarial e registral, quais os desafios que a classe tem a enfrentar?

A classe notarial e registral sempre teve que lutar contra desafios, permanentemente. Realmente vivemos uma situação peculiar, pois, ao mesmo tempo, observamos uma valorização dessas atividades por parte do Estado brasileiro, que está delegando cada vez mais novas atribuições, responsabilidades aos registradores oficiais e tabeliães, haja vista o crescente movimento de desjudicialização. 

A desjudicialização abre novas responsabilidades justamente para os oficiais registradores e tabeliães. É uma maneira de dizer: “Olha nós confiamos em vocês, que possuem capacidade de enfrentar esses novos desafios, que estão sendo reclamados e demandados pela sociedade brasileira”. Sabemos que o Judiciário está sem meios materiais de dar conta de toda essa demanda que se apresenta e a desjudicialização é uma  maneira de dizer que o Estado e a sociedade confiam nas atividades dos cartórios.

Por outro lado, existem outros desafios diferentes, que estão eclodindo no Congresso Nacional, por meio de propostas de leis que surgem cotidianamente tentando minar a segurança jurídica que a atividade registral e notarial nos proporciona e que é fundamental. À vezes procuram transferir um pouco dessas atividades para entidades privadas que vem plantando as sementes do famigerado do registro privado. Este é, na verdade, o grande risco. Portanto, a classe notarial e registral tem que estar bastante atenta em relação a isso, pois vai ter que lidar cada vez mais com interesses muitos poderosos, como o da indústria financeira, que deseja cada vez mais um registro simplificado. Quando se fala em registro simplificado, perde-se um pouco na segurança jurídica e esse é grande risco.