Trabalho da equipe do Polos de Cidadania nessa contenda alcança cerca de 600 famílias
Cartórios de Belo Horizonte receberam recentemente notificação judicial informando que lotes ocupados por quase 600 famílias na Vila Acaba Mundo, na região Centro-sul, são objeto de ação de usucapião coletiva. Isso significa que, no registro de imóveis, passa a constar que os lotes estão em disputa entre os vários donos e as famílias que têm a posse há décadas.
A decisão liminar, considerada muito positiva, foi comemorada pelos moradores e pela equipe do programa de extensão Polos de Cidadania, vinculado à Faculdade de Direito da UFMG, que atua em várias frentes no Acaba Mundo e assessora a comunidade na contenda judicial. O trabalho do grupo no caso foi abordado em matéria publicada na edição 2.000 do Boletim UFMG que circula nesta semana.
Protocolada há pouco mais de dois meses, a ação foi impetrada pela Defensoria Pública de Minas Gerais e é a primeira do gênero desse porte no estado. “É um tipo de ação ainda incomum devido a sua complexidade. O memorial descritivo exigiu produção de mapas, verificação da situação fundiária e das condições de cada lote, visitas a todas as casas e pesquisa para definição dos instrumentos legais adequados”, explica a professora da Faculdade de Direito Maria Fernanda Salcedo Repolês, integrante do Polos Acaba Mundo. Ela conta que a pesquisa para a instrução da ação foi iniciada em 2015 e que parte de trabalho que coube a ela foi realizada em residência de um ano no Instituto de Estudos Avançados Transdisciplinares (Ieat), da UFMG.
“Muitas equipes, ao longo dos anos, estudaram a melhor estratégia. A Vila Acaba Mundo existe há 70 anos, e a posse também é muito antiga. Além disso, é uma comunidade reconhecida pelo poder público e pelos vizinhos dos bairros Sion, Belvedere e Mangabeiras”, comenta Maria Fernanda, acrescentando que o Polos chegou à comunidade em 2005, quando instalou um Núcleo de Mediação Comunitária, e logo apareceram as demandas relacionadas à regularização fundiária.
Lideranças mobilizadas
Ainda de acordo com a pesquisadora, todo o processo que antecedeu o ajuizamento da ação contou com intensa mobilização da população e das lideranças da comunidade. Os moradores divulgaram o trabalho do Polos, facilitaram o acesso às casas e fizeram uma grande manifestação no ato simbólico de entrega da ação, no Fórum Lafayette. Líderes e membros da comunidade também contribuíram na elaboração do questionário detalhado, que foi preenchido pelas famílias que reivindicam a posse definitiva dos lotes.
A pesquisa contou com a participação do UaiPSô, escritório modelo de arquitetura e práticas sociais da UNA, e do Laboratório de Cartografia do Instituto de Geociências da UFMG, que orientou a equipe do Polos para a utilização do GPS, recurso fundamental para o mapeamento da área reivindicada pelos moradores do Acaba Mundo.
Como se dá em todos os projetos do Programa Polos de Cidadania, a atuação alia ações de ensino, pesquisa e extensão. Alunos de áreas diversas têm experiências em todas as frentes, lidando com atividades do direito, arquitetura, psicologia, ciências sociais e teatro, entre outros campos.
'Toc-toc'
Todas as famílias que participam da ação de usucapião preencheram questionário composto de algumas perguntas relacionadas diretamente ao objeto da reivindicação e de outras que contribuíram para uma espécie de censo da população da Vila, cujas respostas têm sido utilizadas para a criação de políticas por cinco instituições (associações de moradores, creche e projetos sociais).
A “pesquisa toc-toc” (o apelido faz referência à abordagem de porta em porta) também produziu dados que hoje subsidiam dois trabalhos de doutorado na UFMG: Antônio Eduardo Nicácio, da pós-graduação em Direito, estuda os sentidos de justiça na comunidade, ou seja, como os moradores compreendem a justiça e como se relacionam com ela; Geruza Lustosa de Andrade Tibo, na pós em Arquitetura e Urbanismo, elabora o histórico construtivo das casas do Acaba Mundo, que também vai ser utilizado pelo Grupo Praxis, da Escola de Arquitetura, para assessorar reformas das moradias.
Enquanto aguarda o desenrolar da ação de usucapião, o Polos Acaba Mundo atua em outras frentes. Numa delas, o grupo integra comitê que orienta ações socioambientais na comunidade, financiadas como contrapartida à licença de exploração pela empresa que retira minério na região.
“As instituições elaboraram um plano estratégico gigantesco, que inclui, por exemplo, tratamento de resíduos sólidos e proteção de nascentes. O planejamento dessas ações está sendo revisado, e elas serão implementadas em 2018”, informa Maria Fernanda. Os recursos do fundo de compensação servirão também para incrementar a estrutura das entidades que atendem à população da Vila Acaba Mundo.
Surgida entre as décadas de 30 e 40 do século passado, a comunidade tem hoje mais de dois mil moradores.