Advogado e professor adjunto de Direito Tributário, Paulo Coimbra foi convidado para apresentar o tema
O Direito Tributário, enquanto direito de superposição, com bastante frequência, incide sobre fatos, atos e situações já reguladas por outros ramos da Ciência do Direito, notadamente, o Privado.
As inovações decorrentes da introdução da Usucapião Administrativa trazem uma série de aspectos tributários relevantes, muitos dos quais certamente demandam uma análise mais refletida. Em apertada síntese, durante nossa exposição no I Encontro Estadual do CORI-MG, tivemos a oportunidade de analisar a incidência (ou não) de alguns tributos relevantes ao serviço registral, mercê da responsabilidade prevista dos tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos incidentes sobre os atos perante eles ou por eles praticados, em razão de seu ofício.
Ab initio, em relação ao ITBI, é conhecida a remansosa jurisprudência do STF que, ao reconhecer a usucapião como forma originária de aquisição da propriedade, a afastou do campo de incidência do imposto municipal sobre a transmissão de imóveis e direitos reais sobre eles incidentes, exceto os de garantia. Salvo melhor juízo, entendemos que as inovações decorrentes da desjudicialização da usucapião, em sua nova modalidade, não afeta sua natureza jurídica e, ipso iure, sua classificação como forma de aquisição originária da propriedade. Contudo, nos parece que a não incidência do ITBI sobre a aquisição da propriedade por força da usucapião independe de sua classificação como forma originária ou derivada, motivo pelo qual tal discussão, SMJ, não se revela pertinente ao tema. Com efeito, há elementos imprescindíveis ao fato jurígeno tributário sujeito à incidência do ITBI que não se fazem presentes na usucapião administrativa, a saber, primus, não há uma transmissão da propriedade, enquanto negócio jurídico encetado por, no mínimo, duas partes maiores, capazes que contraem obrigações recíprocas, dentre as quais reside a transmissão da propriedade imobiliária ou de direitos reais a ela inerentes ou dela derivados. A rigor, não se identifica a figura do transmitente, porquanto o antigo proprietário não transfere a propriedade, mas a perde em favor do usucapiente. Secundus, não se vislumbra na usucapião, seja ela judicial ou administrativa, a onerosidade necessária à incidência do ITBI.
Em relação ao ITCD, imposto de competência dos Estados em cuja hipótese de incidência estão aglutinados duas diferentes formas de aquisição da propriedade, a doação poderia ensejar eventuais dúvidas quanto a sua incidência. Entretanto, tais dúvidas não subsistem a uma análise mais pragmática. A doação, ato jurídico disciplinado pelo CC, tem como pressuposto elementar de sua configuração a liberalidade do doador, que em princípio não se faz imprescindível nos procedimentos de usucapião. Se eventualmente existente a anuência do antigo proprietário, enquanto um dos elementos não essenciais da usucapião, atesta o conformismo do antigo proprietário à situação fática estabilizada no decurso do tempo, que não pode ser confundida com a liberalidade própria dos contratos de doação.
Outro aspecto relevante a merecer lembrança diz respeito ao IR. O usucapiente, caso obtenha êxito, terá um acréscimo patrimonial que deverá ser reconhecido e declarado na relação de bens e direitos de sua declaração de imposto de renda e, se pessoa jurídica, também em sua contabilidade. A incidência do imposto sobre a renda ocorrerá, via de regra, no momento da alienação dos bens adquiridos, incidindo sobre o ganho de capital correspondente à diferença entre o custo de aquisição e valor de venda, nos termos da legislação aplicável. Conforme já supra mencionado, não havendo onerosidade na aquisição via usucapião, o valor de custo de aquisição do bem, salvo melhor juízo, deve corresponder às despesas e custos necessários e comprovadamente incorridos ao reconhecimento do direito de propriedade, tais como honorários advocatícios, periciais, custas e emolumentos, dentre outros. Nesse rumo, importante haver um alinhamento com o interessado antes do preenchimento da DOI, de forma que se evitem divergências que possam eventualmente deflagrar procedimentos de fiscalização pela RFB.
Nos debates que sucederam nossa breve exposição, foram apresentadas dúvidas em relação a situações concretas bastante ricas, cuja análise nos parecem merecer estudo mais denso. Foram cogitadas hipóteses nas quais atos pretéritos sujeitos à incidência do ITBI, tais como a cessão onerosa da posse, ou do ITCD, a exemplo da herança, justificariam a exigência da comprovação do recolhimento do imposto como condição procedimental para a usucapião administrativa. Muito embora possa parecer a opção mais confortável para o registrador, entendemos, numa abordagem preliminar, que, a par dos efeitos de eventual decadência, a responsabilidade tributária do serviço registral está adstrita aos tributos incidentes sobre os atos por ele praticados, ou perante eles praticados, sendo-lhes atribuível a responsabilidade decorrente unicamente dos atos em que intervierem ou pelas omissões que lhes forem imputáveis. Entretanto, repise-se, a complexidade inerente aos casos suscitados estão a desafiar exame mais profundo.
Fonte: CORI-MG