JURISPRUDÊNCIA MINEIRA
JURISPRUDÊNCIA CÍVEL
APELAÇÃO CÍVEL – PROCEDIMENTO COMUM – OBRIGAÇÃO DE FAZER – CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL – TRANSFERÊNCIA E REGISTRO DA PROPRIEDADE – REGULARIZAÇÃO NA PREFEITURA – PROCEDIMENTOS PRÉVIOS NÃO ADOTADOS PELAS PARTES – ART. 1.245, § 1º, DO CÓDIGO CIVIL – INADIMPLEMENTO CONTRATUAL
– Não havendo prazo no contrato, cabe ao contratante interessado na transferência da propriedade de imóvel objeto de contrato particular de compra e venda notificar a outra parte para que forneça os documentos necessários à lavratura da escritura pública, constituindo-a em mora, para então exigir o cumprimento da obrigação.
– Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis. Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel.
– Antes que se tenha o imóvel registrado em nome do adquirente no cartório imobiliário competente, mostra-se inexigível a obrigação de regularizar o cadastro do imóvel na Prefeitura Municipal. Deve-se dar atenção ao contido no art. 1.245, § 1º, do Código Civil.
Apelação Cível nº 1.0439.15.016978-7/001 – Comarca de Muriaé – Apelantes: Wilson Caetano Reis dos Santos, Igreja do Evangelho Quadrangular e outro – Apelantes adesivas: Amélia Latuf Kabalém e outra, Cínthia Kabalém Sales de Sousa – Apelados: Amélia Latuf Kabalém e outra, Cínthia Kabalém Sales de Sousa, Wilson Caetano Reis dos Santos, Igreja do Evangelho Quadrangular e outros – Relator: Des. José Flávio de Almeida
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em dar provimento ao recurso.
Belo Horizonte, 28 de junho de 2017. – José Flávio de Almeida – Relator.
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
DES. JOSÉ FLÁVIO DE ALMEIDA – Igreja do Evangelho Quadrangular, Amélia Latuf Kabalém e Cínthia Kabalém Sales de Sousa apelam da sentença (f. 33/34) destes autos de ação ordinária que julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais, nos seguintes termos:
“[…] Ante o exposto e atento a tudo que está nos autos, julgo, por sentença, extinto o processo, sem apreciação do mérito em relação ao requerido Wilson Caetano Reis dos Santos por ilegitimidade passiva, nos termos do art. 267, inciso VI do CPC. Julgo procedente em parte o pedido inicial para o fim de condenar a requerida Igreja do Evangelho Quadrangular a obrigação de fazer para promover os atos necessários ao cumprimento das cláusulas V e VI do contrato de f. 25, diligenciando para lavratura da escritura definitiva do imóvel descrito na cláusula I (f. 24), promover o registro no cartório competente e a averbação perante o Município de Muriaé, no prazo de 15 (quinze) após o trânsito em julgado, condenar, ainda, a pagar a requerente Cintia Kabalém Sales de Souza a quantia de R$6.000,00 a título de danos materiais, referente a multa contratual da cláusula VIII (f. 25), atualizados monetariamente pelos índices publicados pela Corregedoria-Geral de Justiça a partir da propositura da ação (02.12.2015), mais juros de mora de 1% a partir da citação (14.01.2016), e, por fim, condenar a pagar à requerente Amélia Latuf Kabalém a quantia de R$10.000,00 (dez mil reais) a título de danos morais, atualizados monetariamente ao mês também a partir desta data, julgo improcedente o pedido de exclusão do nome da primeira requerente da dívida ativa do Município de Muriaé por ausência de prova do pagamento do débito. A requerida fica ciente de que tem prazo de quinze dias após o trânsito em julgado da condenação nos termos do art. 475-J do CPC. Em face da sucumbência recíproca, condeno os requerentes ao pagamento de 50% das custas processuais, com suspensão da execução em face do art. 12 da Lei nº 1.060/50 e o restante à primeira requerida. Em face da sucumbência recíproca, condeno as partes (requerentes e primeira requerida) no pagamento de honorários advocatícios ao patrono adverso no valor de R$1.500,00 (mil e quinhentos reais), devidamente compensados, nos termos do art. 21 do CPC e Súmula 306 do STJ. Condeno as requerentes no pagamento de honorários ao patrono do requerido Wilson Caetano, que fixo em R$500,00 (quinhentos reais), observando os critérios dos parágrafos 3º e 4º do art. 20 do CPC com suspensão da execução em face do art. 12 da Lei nº 1.060/50. Condeno a requerida no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 15% sobre o valor da condenação. Promova o cadastramento do advogado dos requeridos. Publicada nesta audiência e desde já intimadas as partes. Registre-se. Transitada em julgado, aguarde a execução. Nada mais''.
A Igreja do Evangelho Quadrangular, primeira apelante (f. 77/90), argui a ilegitimidade ativa de Cínthia Kabalém Sales de Souza, “eis que em momento algum foi prejudicada pelo `suposto' descumprimento contratual''. No mérito, alega que “goza de imunidade quanto aos imóveis destinados às suas finalidades essenciais, sobre os quais não pode incidir a cobrança de impostos''; que “a hipótese do presente caso é mesmo de isenção em caráter geral em razão da finalidade estabelecida para o imóvel tributado, não havendo que se falar em indenização''; que “não houve descumprimento contratual, até porque o contrato de compra e venda não reza prazo, para cumprimento de eventuais obrigações, que, diga-se de passagem, foram cumpridas''; que, “em relação à segunda apelada (Amélia), o reconhecimento do juiz singular de que o município agiu em exercício regular do direito deu legitimidade à inscrição do nome da autora na dívida ativa do município''; que “a prova dos danos que alegam ter sofrido se mostram de uma pobreza franciscana, sendo certo que não se desincumbiram do ônus probatório''; que, “se há alguma responsabilidade a ser imputada […], esta deve ser dividida, diante da má fé das apeladas, que, em momento algum, demonstraram que diligenciaram junto ao município, com a finalidade de fazer a comunicação da venda, tendo em vista que, se tinham conhecimento de tal situação e dos IPTUs, deveriam e poderiam ter providenciado a alteração do cadastro imobiliário local, até porque o contrato firmado entre a primeira ré e a Sra. Cínthia não faz menção a quem competia esse ônus''; que, “em hipóteses de concorrência de responsabilidade, cada uma das partes envolvidas na situação que vem a causar o dano teria negligenciado o dever de cuidado e atenção, este que, se tivesse sido observado por qualquer uma delas, teria evitado o resultado danoso, se tivesse feito a comunicação de venda ao setor responsável''; que, “caso ocorra o reconhecimento da culpa concorrente, poderá também ser cumprida pelas apelantes''. Pede a reforma da sentença.
Preparo regular (f. 91).
Resposta das apeladas (f. 92/97), alegando que “a segunda recorrida (Cínthia) estabeleceu relação jurídica junto à recorrente, consoante se verifica no contrato de compra e venda''; que “a Cláusula VI do referido contrato (f. 25) é clara e expressa em imputar somente à recorrente o ônus de providenciar a transferência e registro do imóvel para o nome da Igreja do Evangelho Quadrangular''; que “os débitos registrados em nome da primeira recorrida (Amélia) (f. 27/29) somente existem pela completa omissão da recorrente em cumprir com sua obrigação contratual''; que “imperativo a aplicação da multa prevista na cláusula VIII, do contrato (f. 25), que determina a indenização''; que “o ato ilícito praticado pela recorrente provocou agravo à segurança psíquica da recorrida, além de trazer insegurança na relação jurídica existente entre as partes''. Pugna pelo não provimento do recurso.
Sem preparo por litigar sob o pálio da justiça gratuita (f. 30-v.).
Amélia Latuf Kabalém e Cínthia Kabalém Sales de Sousa, apelantes adesivas (f. 98/103), alegam que “deve-se aplicar aos honorários advocatícios, retromencionados, o disposto no art. 85, § 14, in fine, do NCPC, que veda expressamente sua compensação, em caso de sucumbência parcial''; que “o quantum indenizatório fixado apresentou-se de forma tímida a dar eficácia ao Instituto do Dano Moral […] seja majorado''. Pede a reforma da sentença.
Resposta da apelada (f. 104/110) alegando que “não há necessidade de reforma da r. sentença, visto que a mesma se encontra em perfeita consonância com os dispositivos legais''; que deve “ser mantido o valor de R$10.000,00 (dez mil reais) a título de danos morais''. Pugna pelo não provimento do recurso.
Satisfeitos os pressupostos de admissibilidade, conheço das apelações.
Amélia Latuf Kabalém e Cínthia Kabalém Sales de Sousa ajuizaram ação de obrigação de fazer em face da Igreja do Evangelho Quadrangular e de Wilson Caetano Reis dos Santos, nos seguintes termos:
“[…] A primeira autora era proprietária, em conjunto com seus filhos, de um imóvel situado na Rua Dr. Antônio Rogério de Castro, nº 4, Quadra 08, Bairro Barra, Muriaé/MG, CEP 36.880-00 com registro no Cartório de Registro de Imóveis Pacheco sob o nº 01 na Matrícula 25.425, L 2-AA. Em abril de 1988, as autores e os réus celebraram um contrato de compra e venda do imóvel descrito acima, conforme se verifica no contrato de compra e venda. No supramencionado contrato de compra e venda, especificamente na cláusula VI (do registro e das despesas inerentes), restou celebrado entre as partes que as vendedoras se incumbiriam da responsabilidade pela tradição e, por seu turno, os réus deveriam custear e providenciar os trâmites de transferência da propriedade do referido imóvel, junto aos órgãos competentes. Ocorre que, no ano de 2010, a primeira autora recebeu cobrança, efetivada pela Prefeitura do Município de Muriaé/MG, atinente ao IPTU […] do imóvel objeto do contrato de compra e venda, retromencionado, constatando-se assim a inadimplência contratual dos réus, visto a não transferência do cadastro do imóvel para o nome do atual titular, conforme fora estipulado entre as partes no contrato de compra e venda. Isto posto, a primeira autora procurou os réus e cominou o fato, lhes entregando o boleto referente ao IPTU e pleiteando aos mesmos o cumprimento do que fora acordado no contrato. Ao que lhe foi prometido pelo segundo réu que o problema seria devidamente sanado e regularizado junto à Prefeitura do Município de Muriaé/MG. Para surpresa e espanto da primeira autora, o fato se repetiu nos anos seguintes (2011/2012/2013/2014), […] nos anos citados, procedeu da mesma forma, entregando os boletos de cobrança do IPTU ao segundo réu […]. Entretanto, no ano de 2015, […] a primeira autora foi surpreendida com a informação de que seu nome constava registrado na Dívida Ativa do Município […] não sendo possível expedição de certidão negativa, e ainda, que o não pagamento dos débitos […] ensejaria, em tempo breve, a execução judicial em desfavor da primeira autora. […] As consequências geradas pela atitude dos réus vieram a galope e de forma letal a lesar a primeira autora em sua honra e moral. […] os réus permaneceram inertes em sua obrigação contratual, assumindo, portanto, a posição de inadimplentes junto às autoras, descumprindo o disposto na cláusula VI do referido contrato. Sendo assim, imperativo que se aplique a multa prevista na cláusula VIII do contrato, que determina a indenização à segunda autora no valor de R$6.000,00 (seis mil reais)''.
Pedem ao final:
“[…] a procedência dos pedidos para:
e.1 – condenar os réus a regularizar o cadastro do imóvel junto à Prefeitura do Município de Muriaé/MG, transferindo a propriedade do imóvel para os mesmos, bem como providenciar a retirada do nome da primeira autora da Dívida Ativa do Município […];
e.2 – condenar os réus ao pagamento de indenização por danos morais infringidos à primeira autora […];
e.3 – condenar os réus ao pagamento de Multa Contratual, no valor de R$6.000,00 (seis mil reais) […]''.
O MM. Juiz de Direito julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais, sob os seguintes fundamentos:
“[…] A preliminar de ilegitimidade ativa da requerente Cínthia Kabalém Sales de Souza deve ser rejeitada, eis que figura como vendedora no contrato de compra e venda discutido, conforme acostado às f. 24/26. […] Preliminar de ilegitimidade passiva do requerido Wilson Caetano Reis dos Santos, deve ser acolhida, eis que o mesmo figura no contrato […] como mero representante da Igreja, primeira requerida. Ademais, não foi o segundo requerido que promoveu a inscrição na dívida ativa mencionada às f. 27. Diante disso, o feito deve ser julgado extinto, sem apreciação do mérito em relação ao requerido Wilson Caetano Reis dos Santos […]. Pedido de retirada da inscrição do nome da requerente Amélia Latuf Kabalém da dívida ativa municipal. O documento de f. 27 que corresponde ao demonstrativo de débito da referida requerente junto à dívida ativa do Município de Muriaé […] não é de responsabilidade da Igreja do Evangelho Quadrangular, isto porque o imóvel […] está cadastrado no Município em nome da primeira requerente e o procedimento administrativo obedeceu à plena regularidade, pois as partes não provaram o pagamento da dívida. Diante disso, o Município de Muriaé agiu no exercício regular de seu direito quando lançou no status de dívida ativa o débito de imposto referido no documento de f. 27. Assim, o nome da requerente Amélia só pode ser excluído da dívida ativa se o débito foi pago ou se o Município conceder anistia. Diante disso, indefiro este pleito […]. Pedido de obrigação de fazer para que a requerida regularize cadastro do imóvel junto à Prefeitura de Muriaé, transferindo a propriedade do bem. A cláusula V do contrato de f. 25 estabelece que a Igreja do Evangelho Quadrangular, após quitação das parcelas do contrato poderá receber escritura definitiva do imóvel em questão. O contrato foi firmado no dia 03.04.1998 e as partes confirmam o pagamento total do valor a compra, diante disso, a Igreja requerida, no meu sentir, tem obrigação de promover os atos necessários à lavratura da inscrição definitiva, já que desde a assinatura do contrato está na posse do imóvel em questão. Por isso, levando em consideração o que foi pactuado (f. 24/26), assiste razão às requerentes quando postulam a obrigação de fazer. A alegação da requerida de que as próprias requerentes poderiam promover a transferência por averbação do nome das mesmas sobre o imóvel em questão para o nome da igreja, utilizando o contrato de compra e venda, no meu sentir, não retira a obrigação da agremiação religiosa de cumprir o que foi firmado no contrato, especialmente em relação à cláusula V. A alegação da requerida de que, por ser entidade religiosa, está isenta do pagamento do tributo municipal, embora sendo uma realidade, não tira a responsabilidade da mesma de promover a lavratura da escritura definitiva, o registro no cartório competente e a averbação junto ao Município […]. Até porque o imóvel em questão está em nome da primeira requerente, se estivessem em nome da Igreja, possivelmente não teria ocorrido a inscrição na dívida ativa, caso tivesse postulado a isenção. Pedido de condenação da requerida no pagamento de multa contratual no valor de R$6.000,00. Ao reconhecer a obrigação da Igreja de promover os atos necessários a lavratura da escritura definitiva do imóvel, registro e averbação e ao reconhecer também que a mesma não promoveu atos que lhe competiam, estou reconhecendo que tornou-se inadimplente em relação ao contrato […].No meu sentir, é direito das requerentes, em face da flagrante inadimplência por parte da Igreja requerida. Não é caso de reconhecer culpa concorrente […], portanto, ao descumprir as cláusulas referidas, deve sujeitar ao pagamento da multa contratual no valor pleiteado. Pedido de indenização por danos morais. Entendo que a requerente Amélia Latuf Kabalém, sofreu lesão moral, eis que seu nome foi inscrito na dívida ativa […] por culpa da Igreja requerida que não promoveu os atos contratuais necessários para transferir a propriedade do bem adquirido para o seu nome, no prazo estabelecido no pacto, fazendo com que o nome da referida requerente fosse para o cadastro de inadimplentes no período em que o imóvel não mais lhe pertencia. A requerente Cínthia Kabalém Sales de Souza, no meu sentir, não tem direito à indenização por danos morais, isso porque, embora figurando no contrato […], a inscrição da dívida ativa foi feita só em nome da requerente Amélia […]. Assim, observando as circunstâncias do fato, as condições socioeconômicas das partes e acionando os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, fixo a indenização em R$10.000.00 (dez mil reais) […]''.
Da apelação principal.
Da ilegitimidade ativa de Cínthia Kabalém Sales de Souza.
A apelante principal argui que a segunda apelada é parte ilegítima para figurar no polo ativo da demanda, sob o fundamento de que, “em momento algum, foi prejudicada pelo `suposto' descumprimento contratual''.
O contrato particular de compra e venda de imóvel e objeto do litígio é assinado por Cínthia Kabalém Sales de Souza na condição de promitente-vendedora (f. 24/26). Patente, pois, sua legitimidade ativa para a causa.
Rejeito a preliminar de ilegitimidade ativa.
Do descumprimento contratual.
O contrato particular de compra e venda (f. 24/26) é datado de 3 de abril de 1998 e tem por objeto a
“venda das unidades imobiliárias caracterizadas na cláusula I, […] unidades imobiliárias objetos deste contrato são representadas, respectivamente, por uma casa situada nos fundos do prédio nº 298 da Rua Benedito Valadares, no bairro da Barra, conforme matrícula no Cartório de Registro de Imóveis, nº 25.407 […]; e um terreno situado à Rua Dr. Antônio Rogério de Castro, 04, no bairro da Barra, conforme matrícula no Cartório de Registro de Imóveis, nº 25.425 […]'' (f. 24).
O imóvel objeto desta ação ordinária é o “terreno situado à Rua Dr. Antônio Rogério de Castro, 04, no bairro da Barra, conforme Matrícula no Cartório de Registro de Imóveis, nº 25.425''.
O pagamento do preço, com entrada e efetivada na data da assinatura do instrumento, 03.04.1998, sendo transferida a posse do bem, sendo o restante do preço dividido em 24 parcelas (vinte e quatro) no valor de R$2.537,81 cada uma, com vencimento a partir de 20.04.1998. Ou seja, conclui-se que o pagamento integral do preço do contrato deu-se em março de 2000 (Cláusula V).
Cerca de 10 (dez) anos depois de satisfeito o preço previsto no contrato – já que as partes confirmam o pagamento total do valor a compra – a segunda apelada diz haver recebido cobrança de IPTU relativa ao exercício de 2010, repetindo-se a cobrança até o ano de 2015 (f. 27).
O contrato entre as partes estabelece:
“Cláusula V
Da escritura definitiva
O promissário-comprador(a), passa a ter todos os direitos sobre os imóveis. A posse será transferida ao promissário-comprador(a) tão logo pague o valor da entrada estipulada na cláusula II e assine o contrato. O domínio será adquirido após a quitação total do débito, oportunidade em que o promissário-comprador(a) receberá as escrituras definitivas.
Cláusula VI
Do registro e das despesas inerentes
As despesas de cartório com transmissão do imóvel, tais como ITBI, taxas de expedientes, registro de escritura, etc., correrão por conta do promissário-comprador. O vendedor ficará responsável pelos impostos em atraso até a presente data, se houver''.
A cláusula V prevê que, após quitação integral do preço avençado, o promissário-comprador “receberá as escrituras definitivas'' (f. 25).
O contrato não fixa prazo para lavratura da escritura definitiva e registro no Cartório de Registro de Imóveis.
Por sua vez, a cláusula VI atribui ao promissário-comprador a responsabilidade pelo pagamento de todas as despesas com a transmissão da propriedade do imóvel (f. 25).
O MM. Juiz de Direito entendeu que a compradora “Igreja requerida […] tem obrigação de promover os atos necessários à lavratura da inscrição definitiva, já que desde a assinatura do contrato está na posse do imóvel em questão''.
O pedido inicial, como se vê, é para condenar a ré, aqui a apelante principal, a “regularizar o cadastro do imóvel na Prefeitura do Município de Muriaé/MG, transferindo a propriedade do imóvel para os mesmos, bem como providenciar a retirada do nome da primeira autora da dívida ativa do município'' (f. 11).
O pedido para a retirada do nome da primeira apelada dos cadastros da dívida ativa do município restou indeferido pelo MM. Juiz de Direito (f. 30).
Por outro lado, uma vez que o contrato não fixa prazo para a lavratura da escritura pública de compra e venda, caberia à parte interessada na transferência da propriedade do imóvel notificar a outra parte, constituindo-a em mora, para fornecer os documentos necessários à lavratura da escritura e subsequente registro no Cartório de Registro de Imóveis.
Antes que se tenha o imóvel registrado em nome da apelante no cartório imobiliário competente, mostra-se inexigível a obrigação de “regularizar o cadastro do imóvel na Prefeitura do Município de Muriaé/MG''. Os litigantes devem dar atenção ao contido no art. 1.245, § 1º, do Código Civil.
Quanto à alardeada imunidade tributária da apelante principal, obviamente, deverá discuti-la com a Fazenda Pública quando e onde entender ser adequado, menos nestes autos de ação ordinária entre particulares, que não trata de execução fiscal. A Fazenda Pública Municipal não é parte no processo.
Da multa contratual.
Considerando que não houve inadimplemento de obrigação pela apelante principal, não há falar em aplicação da penalidade prevista na cláusula VIII (f. 25).
Da indenização por danos morais.
Para que surja a obrigação de indenizar, necessário que haja a prática de ato ilícito e o consequente dano moral.
No caso dos autos, não estando caraterizado o descumprimento de cláusula contratual, não se verifica a ocorrência de ato ilícito contratual gerador de dano moral.
A dívida de IPTU e a inscrição na dívida ativa poderão ser discutidas via procedimentos adequados, seja com a Fazenda Pública Municipal ou com a adquirente do imóvel, deduzida causa de pedir pertinente.
Conclusão.
Diante do exposto, com fundamento no art. 93, IX, da Constituição da República de 1988 e art. 131 do Código de Processo Civil/1973, dou provimento ao recurso para reformar a sentença e julgar improcedentes os pedidos iniciais.
Condeno as apeladas/autoras ao pagamento das custas processuais, incluídas as recursais, mais honorários advocatícios que arbitro em 10% do valor atualizado da causa. Fica suspensa a exigibilidade das verbas sucumbenciais conforme dispõe o art. 12 da Lei nº 1.060/50.
Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores José Augusto Lourenço dos Santos e Juliana Campos Horta.
Súmula – DERAM PROVIMENTO AO RECURSO.
Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico – MG