Avaliação do poder público foi compartilhada com representantes dos povos tradicionais que participaram de audiência em Montes Claros
A regularização fundiária é o meio efetivo de trazer a verdadeira paz social às comunidades tradicionais de Minas Gerais. A avaliação é de Edmundo Dias Netto, procurador da República em Minas Gerais, que participou de audiência pública da Comissão Extraordinária de Turismo e Gastronomia, em Montes Claros (Norte), nesta quarta-feira (11/9/24).
Solicitada pela 1ª-vice-presidenta da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), a reunião recebeu centenas de membros de comunidades de indígenas, quilombolas, geraizeiros, vazanteiros, pescadores, entre outras, na Unimontes. O objetivo do encontro, que integrou o VII Colóquio Internacional de Povos e Comunidades Tradicionais, promovido pela universidade, foi debater, sob a ótica do turismo de base comunitária, os direitos da natureza e dos povos e comunidades tradicionais.
Segundo Edmundo Neto, o Ministério Público Federal ajuizou em 2019 uma ação civil pública contra a União, exigindo a conclusão do trabalho de demarcação de todas as áreas pertencentes à União até 2025. Esse trabalho já está em andamento em Minas e nas demais unidades federativas, de acordo com o procurador, que chefia o 18º Ofício da Procuradoria da República, voltado para Povos e Comunidades Tradicionais e Reforma Agrária.
Após essa etapa, segundo ele, será feito o trabalho de reconhecimento da atuação de povos tradicionais em cada um desses territórios. Boa parte dos territórios da União em Minas se situa ao longo de grandes rios que passam pelo Estado, como o São Francisco e o Doce. O reconhecimento da atuação de uma determinada comunidade num território resulta na emissão do Termo de Autorização de Uso Sustentável (TAUS).
Regularização atende a interesse público
Lorhany Ramos de Almeida, superintendente da Secretária de Patrimônio (SPU) da União em Minas Gerais, complementou a fala do procurador. Afirmou que com o programa federal Imóvel da Gente, houve uma mudança de foco, de modo que os imóveis patrimônio da União serão destinados ao interesse público primordialmente. Somente quando não houver esse interesse é que o imóvel será destinado à alienação.
Ela explicou que a SPU faz a demarcação de bens de domínio da União, como os terrenos marginais dos rios navegáveis. Esses terrenos foram definidos por lei ainda no Segundo Império e são traçados a partir da linha média entre o nível mais baixo e o nível mais alto de um rio. Definida a chamada linha média das enchentes ordinárias (Lemeo), são contados 15 metros dos dois lados, e essa área passa a ser considerada da União.
Essas demarcações já estão adiantadas nas regiões Norte e Nordeste, e no Sudeste, estão em andamento em Minas Gerais e São Paulo, de acordo com Lorhany Almeida. No caso do Rio São Francisco, estão abrangidos todos os municípios à jusante da Represa de Três Marias. “Temos que concluir esse processo para passarmos à regularização das ocupações desses territórios”, defendeu.
Ela informou que em Minas Gerais já foi emitido um TAUS para a comunidade de Caraíbas, em Pedras de Maria da Cruz (Norte). Cumprida essa etapa, os processos das áreas regularizadas são transferidas da justiça estadual para a federal.
Não esperar mais
O procurador de justiça e coordenador do Centro de Apoio Operacional de Conflitos Agrários do Ministério Público de Minas Gerais, Afonso de Miranda Teixeira, reforçou a importância dessas ações. “Não há como esperar mais a regularização dessas terras”, declarou ele, completando que as comunidades tradicionais são a que mais protegem o meio ambiente.
Na opinião dele, em sentido contrário, agem as empresas que plantam eucalipto e as de mineração, que ocupam terras devolutas, contando com a omissão do poder público. Um exemplo da omissão dado pelo procurador foi o território de Lapinha, que apesar de já ter a comunidade local reconhecida pelo estado de Minas Gerais, não foi regularizado.
Já Patrícia Macedo Ferreira, analista em Reforma e Desenvolvimento Agrários do Departamento Fundiário Quilombola do Incra, observou que o trabalho de regularização fundiária estava praticamente paralisado, mas vem sendo retomado. A antropóloga destacou como avanço a criação da Direitoria Quilombola do Incra.
Ela disse que o Incra é o responsável pela titulação de territórios quilombolas e que há mais de 400 ações civis públicas requerendo essa ação, a maioria de Minas. O estado é ainda o terceiro no Brasil com maior número de processos de territórios quilombolas, sendo que apenas dois foram titulados.
Carta com reivindicações é entregue às autoridades
Apesar do facho de esperança contido na fala das autoridades, os representantes dos povos que participaram do colóquio e de outras entidades que apoiam a causa entregaram aos convidados na mesa dos trabalhos uma carta de reivindicações. Elas exigem providências dos órgãos presentes e ainda de outros que lidam com a questão em níveis federal e estadual dos Poderes Executivo e Judiciário.
Entre as propostas, a carta cita a necessidade de promover a articulação entre os vários envolvidos para efetivar a regularização fundiária integral dos territórios tradicionais. Pede ainda que seja assegurado aos povos os direitos à participação na construção de projeto e na destinação de recursos; entre outras solicitações.
A coordenadora do Comitê Povos Tradicionais, Meio Ambiente e Grandes Projetos da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), Felisa Cançado Anaya, lamentou a postura do governo de Minas. “A resistência do Estado em não fazer a regularização fundiária está diretamente relacionada aos recordes negativos de Minas com relação ao trabalho escravo e outros”, criticou.
Cicero Ferreira de Lima, da Articulação Vazanteiros e Quilombolas em Movimento, reforçou: “Ouçam as lideranças comunitárias; nos respeitem, porque somos nós que cuidamos do meio ambiente; o estado sabe disso e porque não resolve nosso problema?”.
João Batista da Silva, da Comunidade Quilombola, Vazanteira e Pesqueira de Caraíbas, argumentou que o clamor do povo é negligenciado pelo Estado brasileiro, que poucas soluções apresenta.
Valderes Quintino, do Movimento Pela Soberania Popular na Mineração (MAM), observou que a luta é contínua para manter seus territórios livres e produtivos. Pertencente ao Quilombo de Queimados, em Serro (Central), informou que o local vem sendo assediado por seis mineradoras, que já buscam autorizações do Governo do Estado para explorarem a área.
Ele denunciou que as empresas, na tentativa de silenciar as comunidades, fazem ameaças, oferecem vantagens econômicas para as lideranças. Lembrou que convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT) prevê a consulta às comunidades antes do início de qualquer projeto de mineração e solicitou a titulação do território de Queimados.
Providências
A deputada Leninha anunciou que vai desmembrar as solicitações da carta em vários requerimentos, a serem aprovados posteriormente. Ela avaliou que o debate sobre a regularização fundiária dialoga com a discussão sobre os direitos da natureza, já que os povos tradicionais são os que mais conservam o meio ambiente, por terem uma relação sagrada com a terra.
Nesse sentido, informou que já virou lei um projeto de sua autoria que trata dos direitos dessas comunidades. E que está tramitando outro PL seu que enfoca os direitos da natureza.
O deputado Ricardo Campos (PT) parabenizou Leninha pela audiência. Preocupado com o acesso das comunidades à água, ele informou que protocolou um projeto na ALMG que coloca como obrigação do Estado esse fornecimento. Também nessa linha, o parlamentar lembrou que assina uma Proposta de Emenda à Constituição que garante a aplicação, pelo governo, de recursos para os comitês de bacias hidrográficas.
Acompanhada de representantes de seu povo, a deputada federal Célia Xacriabá (PT-MG), destacou que apresentou uma PEC no Congresso para que todos os biomas brasileiros sejam tratados como sujeitos de direito. Ela, que também solicitou a audiência na Câmara dos Deputados, expressou que é de sua vontade avançar na demarcação de terras no País e que por isso, aporta emendas para o Norte de Minas com esse objetivo.
Fonte: site da ALMG